quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Aqueduto das Águas Livres é Eterno

A intenção da construção do Aqueduto começa a ter forma com a ideia de levar a água das nascentes das Águas Livres, em Belas, para a cidade de Lisboa, nos reinados de D. Manuel, D. João III e D. Sebastião.  
Em 1571, Francisco de Holanda, para garantir o abastecimento de água à capital, propôs ao rei D. Sebastião a reconstrução de um aqueduto e da antiga barragem romana de Olíssipo. - (mais tarde voltaremos a Olíssipo e ao seu simbolismo) -. Só no reinado de D. João V, em pleno Séc. XVIII foi decidido avançar com a construção, tendo os custos sido integralmente suportados pela população de Lisboa, através de taxas sobre a carne, o azeite e o vinho.  
A Directora do Museu da Água, Margarida Ruas, descreve: «O Aqueduto representa o que de melhor e pior existe em nós enquanto povo, enquanto comunidade. As pessoas de Lisboa colectaram-se durante anos para pagar estas obras. Entregavam uma quantia todos os anos, um imposto, que era destinada exclusivamente às obras, mesmo sabendo que só na geração dos filhos ou dos netos é que ela estaria pronta. Foi de uma generosidade e entrega notáveis. Ao mesmo tempo, representa o pior devido às confusões que se geraram, à forma como muitas pessoas foram afastadas do projecto para dar lugar a outras, às invejas».  
Uma colecta que foi paga duas vezes, devido à falta de escrúpulos da Corte durante a ocupação espanhola e da dinastia filipina: o dinheiro que havia sido conseguido para o aqueduto foi totalmente gasto na festa de coroação de D. Filipe! «E, mais uma vez, o povo de Lisboa voltou a pagar esse imposto, num gesto grandioso de cidadania e generosidade», realça Margarida Ruas.  
O projecto e a construção do aqueduto devem-se essencialmente ao brigadeiro Manuel da Maia, ao sargento-mor Custódio Vieira, ao capitão de engenharia Carlos Mardel e ao procurador da cidade, Cláudio Gorgel do Amaral, pela sua determinação em resolver o problema do abastecimento de água à cidade de Lisboa. O rei D. João V, saturnino por devoção, assinou em 12 de Maio de 1731, um sábado, o decreto régio para a construção do Real Aqueduto das Agoas Livres. O tempo passou, e as obras, lá foram iniciadas sob a direcção do arquitecto Manuel da Maia e do sargento-mor Custódio de Vieira.  
Apesar de ter começado a abastecer de água uma rede de chafarizes na cidade de Lisboa a partir de 1748, só ficou concluído em 1834.

Vamos iniciar a nossa visita, percorrendo alguns dos locais mais simbólicos e belos desta monumental obra. Evidenciando influências góticas em pleno período barroco, nos 14km de extensão desde a nascente principal e diversos aquedutos de distribuição, num total de 58km, possui, na sua parte mais monumental, sobre o Vale de Alcântara, um conjunto de 35 arcos, de autoria de Custódio Vieira.  Os primeiros 18 arcos e os 3 últimos são de volta inteiros, os restantes 14 arcos são em ogiva. O arco maior mede 65m de altura e 32m de largura. Com todos estes números tem alguns recordes mundiais: “É a maior ponte de pedra do Mundo, é a maior obra de engenharia hidráulica do Mundo e tem o maior arco em ogiva do Mundo”. Na sua galeria interior tem dois corredores, com o nome de Passeio dos Arcos, pelos quais se pode caminhar e disfrutar de uma vista panorâmica magnífica.

Porém, também teve o seu registo mais terrível. Os passeios foram interditados em 1844 devido aos crimes ali cometidos por Diogo Alves, um espanhol, nascido no bispado de Lugo, que veio viver para Lisboa ainda novo. O frio assassino acobertava-se no aqueduto e esperava que alguém passasse. Na sua maioria, eram lavadeiras ou trabalhadores de regresso a casa. Despojava-os de tudo quanto levavam e a seguir lançava-os do alto dos arcos. Algumas vezes, atirou também os filhos pequenos e bebés das lavadeiras. Foi apanhado pelas autoridades em 1840, na sequência do assassinato da família de um médico cuja casa assaltara, e, por isso, sentenciado à forca. Segundo consta, o decreto real de abolição da pena de morte foi adiado alguns dias para que Diogo Alves fosse enforcado. Só depois a pena foi abolida, sendo Portugal dos primeiros países a abolir a pena de morte.

Como não podia deixar de ser, também está ligado à gastronomia. Com certeza já devem ter ouvido o nome do bairro existente na encosta de Campolide. Esse bairro, designado Bairro da Serafina, porque a dona de taberna, chamada Serafina, era cozinheira exímia e durante os anos da construção era aí que almoçavam os Mestres, Companheiros, Aprendizes que construíram esta obra notável. O livro “As Receitas da Serafina” reúne uma boa investigação realizada por Margarida Pereira-Mueller.

Seguindo o caminho das águas, chegamos ao Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, construído entre 1746 e 1834, segundo planos de Carlos Mardel, a quem se deve, entre outras obras, o arco triunfal que celebra a obra de D. João V.
A Mãe de Água é um local tranquilo, de uma beleza despojada de qualquer artifício: o corredor estreito e baixo leva-nos a uma sala redonda com a nascente encanada no meio, como se fosse um pequeno lago. A água, tranquila à superfície, vai correndo célere para um dos ramais existentes na entrada. Esse é o único barulho que se ouve, o da água a correr pelas levadas dentro das galerias silenciosas.
Sem luz artificial, a claridade é obtida através de pequenas janelas colocadas na abóbada do tecto, que ao longo do dia vai permitindo ver o local com diferentes tonalidades de cor. O mesmo acontece na galeria da entrada. Olhando para o fundo, a luz que entra pelos respiradouros permite observar tudo com diferentes cores. Ao fundo, parece azul, mas mais ao perto a galeria é inundada por um laranja-pálido. Estes respiradouros oferecem um autêntico espectáculo natural de luz, ar, sombra, respiração e silêncio, aliado à beleza da pedra.

Em seguida, eis-nos chegados a um dos ex-líbris desta teia monumental de galerias: a Torre das Catorze Janelas. De fora, é apenas uma construção de pedra ao nível do chão. Mas por dentro, depois de descer umas escadas íngremes, vemos uma sala rectangular aonde vêm dar três nascentes de água. Para os mais esotéricos, esta torre é mítica. “Uns dizem que esta torre muito alta é encimada por catorze janelas exactamente iguais e que esconde a energia necessária para reerguer Portugal, para o transformar para o futuro. Outros dizem que está aqui a energia para a concretização do Quinto Império».

O Aqueduto foi o único monumento que não sofreu danos durante o Terramoto de 1755. Resistiu, e dominante numa Lisboa destruída tornou-se o símbolo do futuro dos Portugueses, porque a nova cidade seria construída com o mesmo conhecimento e saber.
Classificado como Monumento Nacional, é um dos mais extensos sistemas de abastecimento de água existentes no mundo, alcançando os 58 quilómetros, em descida gravítica com média 3mm por cada metro. O seu nome deve-se ao facto de as águas correrem apenas pela força da gravidade, isto é, livremente.
Actualmente faz parte do Museu da Água, criado em 1987, que organiza visitas e passeios em datas e horas que variam consoante as estações.

O Aqueduto das Águas Livres guarda um conhecimento, um saber únicos, uma obra hidráulica notável, uma beleza inigualável, o trabalho de inúmeros pedreiros que desbastaram as pedras para lhe dar forma, o único monumento câmara escura jamais construído, que permite o reflexo da paisagem exterior num jogo de cor, luz, sombra, aromas que toca o sagrado e que jamais nos separa do Todo. Um sistema de distribuição de água duplo, que os Portugueses deixam à Humanidade.

Autor: A. Pires

3 comentários:

  1. Está aberto ao público?
    Obrigado
    Henrique

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  2. Sou actor e também técnico de emergência social, e acima de tudo residente na Serafina e cantado com a pequena historia de origem do bairro e o porquê de Serafina enquanto nome de bairro. Tudo me interessa do ponto de vista historico-social.

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