A partir de Oitocentos assistiu-se a um acesso cada vez mais generalizado à leitura que paulatinamente atingiu o universo feminino. Não estranharemos, portanto, a imersão num banho cultural mais propício à vontade de as mulheres passarem da leitura à escrita, tornando-se tradutoras selectivas e exímias autoras, pois já leitoras atentas. Subliminarmente, terá sido o desejo de ultrapassar fronteiras, até ali intransponíveis, a movê-las. E estas questões prendem-se com as do poder, como algumas autoras deixam saber.
A entrada da mulher com presença assídua na imprensa diária permitiu uma divulgação mais direccionada para um público-alvo, diferenciado daquele que marcava presença nas colunas de periódicos especificamente femininos. O que se entende, até pela natureza dos mesmos, pois tinham um público restrito bem identificado: eram publicações dirigidas por mulheres para serem lidas por mulheres. Que mulheres eram as que escreviam, na imprensa, para além dos nomes que são sobremaneira conhecidos? Eram mulheres letradas, nascidas no seio da alta e da média burguesias, ou que a elas ascendiam pela educação e/ou casamento. Com a pena colocavam as mãos na massa, ou seja, na escrita, manuscrita como no caso do “Jornal das Creanças”, em 1909, corporizado pelo trabalho de Alda Guerreiro (1878-1943) no litoral alentejano (Santiago do Cacém), ou impressa, como no caso da colecção “Para as Crianças”, dirigida por Ana de Castro Osório (1872-1935), em Setúbal, onde, a partir de 1897 se publicaram os primeiros livros infantis.
Na “rota das letras” sabemos que o primeiro periódico feminino foi O Correio das Modas, criado em Lisboa em 1807, como nos deu a conhecer Ivone Leal. Cerca de três décadas depois, O Correio das Damas: Jornal literário e de modas, fundado em 1836, como se pode ler no editorial, reclamava pretender colmatar a inexistência de um periódico feminino. Dispomos ainda de informação respeitante ao primeiro jornal fundado e dirigido por uma mulher, a Assembleia Litteraria, registando a esse respeito Ivone Leal: “Daí por diante nunca mais deixamos de encontrar nomes femininos a subscrever artigos ou mesmo no cabeçalho das publicações”. Em 1849, Antónia Gertrudes Pusich fundou a Assembleia Litteraria. Jornal d’Instrução não podendo deixar de se realçar a ligação da mulher à causa da educação. É conhecida a primeira obra de autoria feminina, Espelho de Cristina - escrita no século XV por Cristina de Pisan e publicada em Lisboa no ano de 1518 -, como nos dá conta o exaustivo trabalho de levantamento bibliográfico realizado por Regina Tavares da Silva, outra inegável pioneira dos estudos sobre as mulheres em Portugal. Elina Guimarães, notável entre as notáveis, não esquece a Carta apologética em favor e defesa das mulheres, publicada por Gertrudes Margarida de Jesus entre nós em 1761. Por seu turno, queremos lembrar Maria Antónia Fiadeiro, uma das primeiras jornalistas portuguesas a catapultar os estudos sobre as mulheres para as páginas da imprensa generalista contemporânea. Todavia, continuam ainda por decifrar questões, tais como: quem foi a primeira mulher a publicar um texto na imprensa, tout court? Qual foi o primeiro texto assinado por uma mulher a ocupar espaço num jornal generalista ou regional?
O estudo destas fontes permitirá, estamos em crer, desfazer o enigma, tantas vezes dissimulado por ideias estereotipadas, do modo de estar no mundo de todo um grupo biosocial. As suas reivindicações e expectativas aí se manifestam, alinhando com os homens que lhes dão honras de primeira página e com quem querem ombrear. Abraçando a ideia nova e fazendo notícia...
Autor: Isabel Lousada
A entrada da mulher com presença assídua na imprensa diária permitiu uma divulgação mais direccionada para um público-alvo, diferenciado daquele que marcava presença nas colunas de periódicos especificamente femininos. O que se entende, até pela natureza dos mesmos, pois tinham um público restrito bem identificado: eram publicações dirigidas por mulheres para serem lidas por mulheres. Que mulheres eram as que escreviam, na imprensa, para além dos nomes que são sobremaneira conhecidos? Eram mulheres letradas, nascidas no seio da alta e da média burguesias, ou que a elas ascendiam pela educação e/ou casamento. Com a pena colocavam as mãos na massa, ou seja, na escrita, manuscrita como no caso do “Jornal das Creanças”, em 1909, corporizado pelo trabalho de Alda Guerreiro (1878-1943) no litoral alentejano (Santiago do Cacém), ou impressa, como no caso da colecção “Para as Crianças”, dirigida por Ana de Castro Osório (1872-1935), em Setúbal, onde, a partir de 1897 se publicaram os primeiros livros infantis.
Na “rota das letras” sabemos que o primeiro periódico feminino foi O Correio das Modas, criado em Lisboa em 1807, como nos deu a conhecer Ivone Leal. Cerca de três décadas depois, O Correio das Damas: Jornal literário e de modas, fundado em 1836, como se pode ler no editorial, reclamava pretender colmatar a inexistência de um periódico feminino. Dispomos ainda de informação respeitante ao primeiro jornal fundado e dirigido por uma mulher, a Assembleia Litteraria, registando a esse respeito Ivone Leal: “Daí por diante nunca mais deixamos de encontrar nomes femininos a subscrever artigos ou mesmo no cabeçalho das publicações”. Em 1849, Antónia Gertrudes Pusich fundou a Assembleia Litteraria. Jornal d’Instrução não podendo deixar de se realçar a ligação da mulher à causa da educação. É conhecida a primeira obra de autoria feminina, Espelho de Cristina - escrita no século XV por Cristina de Pisan e publicada em Lisboa no ano de 1518 -, como nos dá conta o exaustivo trabalho de levantamento bibliográfico realizado por Regina Tavares da Silva, outra inegável pioneira dos estudos sobre as mulheres em Portugal. Elina Guimarães, notável entre as notáveis, não esquece a Carta apologética em favor e defesa das mulheres, publicada por Gertrudes Margarida de Jesus entre nós em 1761. Por seu turno, queremos lembrar Maria Antónia Fiadeiro, uma das primeiras jornalistas portuguesas a catapultar os estudos sobre as mulheres para as páginas da imprensa generalista contemporânea. Todavia, continuam ainda por decifrar questões, tais como: quem foi a primeira mulher a publicar um texto na imprensa, tout court? Qual foi o primeiro texto assinado por uma mulher a ocupar espaço num jornal generalista ou regional?
O estudo destas fontes permitirá, estamos em crer, desfazer o enigma, tantas vezes dissimulado por ideias estereotipadas, do modo de estar no mundo de todo um grupo biosocial. As suas reivindicações e expectativas aí se manifestam, alinhando com os homens que lhes dão honras de primeira página e com quem querem ombrear. Abraçando a ideia nova e fazendo notícia...
Autor: Isabel Lousada