quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Elos de progresso científico e social: contributo para a História das Mulheres cientistas em Portugal

A partir de Oitocentos assistiu-se a um acesso cada vez mais generalizado à leitura que paulatinamente atingiu o universo feminino. Não estranharemos, portanto, a imersão num banho cultural mais propício à vontade de as mulheres passarem da leitura à escrita, tornando-se tradutoras selectivas e exímias autoras, pois já leitoras atentas. Subliminarmente, terá sido o desejo de ultrapassar fronteiras, até ali intransponíveis, a movê-las. E estas questões prendem-se com as do poder, como algumas autoras deixam saber.

A entrada da mulher com presença assídua na imprensa diária permitiu uma divulgação mais direccionada para um público-alvo, diferenciado daquele que marcava presença nas colunas de periódicos especificamente femininos. O que se entende, até pela natureza dos mesmos, pois tinham um público restrito bem identificado: eram publicações dirigidas por mulheres para serem lidas por mulheres. Que mulheres eram as que escreviam, na imprensa, para além dos nomes que são sobremaneira conhecidos? Eram mulheres letradas, nascidas no seio da alta e da média burguesias, ou que a elas ascendiam pela educação e/ou casamento. Com a pena colocavam as mãos na massa, ou seja, na escrita, manuscrita como no caso do “Jornal das Creanças”, em 1909, corporizado pelo trabalho de Alda Guerreiro (1878-1943) no litoral alentejano (Santiago do Cacém), ou impressa, como no caso da colecção “Para as Crianças”, dirigida por Ana de Castro Osório (1872-1935), em Setúbal, onde, a partir de 1897 se publicaram os primeiros livros infantis.

Na “rota das letras” sabemos que o primeiro periódico feminino foi O Correio das Modas, criado em Lisboa em 1807, como nos deu a conhecer Ivone Leal. Cerca de três décadas depois, O Correio das Damas: Jornal literário e de modas, fundado em 1836, como se pode ler no editorial, reclamava pretender colmatar a inexistência de um periódico feminino. Dispomos ainda de informação respeitante ao primeiro jornal fundado e dirigido por uma mulher, a Assembleia Litteraria, registando a esse respeito Ivone Leal: “Daí por diante nunca mais deixamos de encontrar nomes femininos a subscrever artigos ou mesmo no cabeçalho das publicações”. Em 1849, Antónia Gertrudes Pusich fundou a Assembleia Litteraria. Jornal d’Instrução não podendo deixar de se realçar a ligação da mulher à causa da educação. É conhecida a primeira obra de autoria feminina, Espelho de Cristina - escrita no século XV por Cristina de Pisan e publicada em Lisboa no ano de 1518 -, como nos dá conta o exaustivo trabalho de levantamento bibliográfico realizado por Regina Tavares da Silva, outra inegável pioneira dos estudos sobre as mulheres em Portugal. Elina Guimarães, notável entre as notáveis, não esquece a Carta apologética em favor e defesa das mulheres, publicada por Gertrudes Margarida de Jesus entre nós em 1761. Por seu turno, queremos lembrar Maria Antónia Fiadeiro, uma das primeiras jornalistas portuguesas a catapultar os estudos sobre as mulheres para as páginas da imprensa generalista contemporânea. Todavia, continuam ainda por decifrar questões, tais como: quem foi a primeira mulher a publicar um texto na imprensa, tout court? Qual foi o primeiro texto assinado por uma mulher a ocupar espaço num jornal generalista ou regional?

O estudo destas fontes permitirá, estamos em crer, desfazer o enigma, tantas vezes dissimulado por ideias estereotipadas, do modo de estar no mundo de todo um grupo biosocial. As suas reivindicações e expectativas aí se manifestam, alinhando com os homens que lhes dão honras de primeira página e com quem querem ombrear. Abraçando a ideia nova e fazendo notícia...


Autor: Isabel Lousada


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Antiga Ermida e Hospital da Luz da Ordem de Cristo

O culto a Nossa Senhora da Luz em Carnide, inicia-se no século XV e tem como principal fomentador Pêro ou Pedro Martins, um habitante local que, segundo conta a história, estaria na Argélia, pelo ano de 1463, onde foi capturado pelos árabes. Durante o tempo que ficou preso, desesperado, terá começado a rezar a Nossa Senhora para que o livrasse daquele tormento pelo que durante trinta dias lhe apareceu uma imagem da Virgem. Em troca da sua liberdade a imagem ter-lhe-á anunciado que em Carnide junto a uma fonte, onde havia algum tempo aparecia uma luz (que muito intrigava os locais), acharia uma imagem sua à qual deveria erguer uma ermida. Pêro Martins foi “miraculosamente” libertado, regressou a Carnide e junto à Fonte do Machado que estava em “hũ espeso bosque” terá descoberto a imagem de Santa Maria por baixo de uma pedra. A população local, naturalmente animada com esta revelação, oferece-se para ajudar na construção de uma ermida no sítio onde foi encontrada a imagem, junto à Fonte do Machado e consagrada a Nossa Senhora da Luz, pelas circunstâncias que conduziram à sua “descoberta”. 
Na realidade pouco ou nada se conhece da primitiva ermida, da qual nos chegaram muito poucos elementos históricos e materiais sabendo-se no entanto que “...é de muito grandíssima romagem, assim de gente de Lisboa e seu termo, como de todo o Reino, e de estrangeiros que à dita cidade vêm...”

Durante o reinado de D. João III, a ermida de Nossa Senhora da Luz foi doada à Ordem de Cristo dando lugar à construção de uma igreja de maiores dimensões, patrocinada pela Infanta D. Maria (1521-1577), irmã do monarca, que conhecedora das virtudes do local, das propriedades benéficas da fonte do Machado e com particular devoção a Nossa Senhora da Luz, irá destiná-la para seu mausoléu. Afirmando o seu poder económico, político e social, a Infanta delineia para o sítio da Luz um projecto que parece assentar claramente na criação, em conjunto com a Ordem de Cristo, de um verdadeiro núcleo espiritual e de auxílio à população local e distante, reiterado quando edifica à sua custa, a construção de um Hospital para acolher enfermos pobres e peregrinos.

Arquitectura religiosa, maneirista e oitocentista, o Convento da Ordem de Cristo, de que apenas subsistem vestígios da área conventual e o transepto, capela-mor da igreja e retro-coro, dando origem a uma planta em T invertido, sendo difícil aquilatar a sua primitiva estrutura. Fachada principal executada no séc. XIX, com remate em frontão triangular, com os vãos rasgados em eixo, composto por portal de verga recta e janelão rectilíneo do antigo coro-alto. Fachadas circunscritas por cunhais apilastrados, rematadas em cornija, surgindo, no antigo transepto, frontão triangular e platibanda plena, a lateral esquerda rasgada por várias janelas rectilíneas, algumas em capialço, que permitem a iluminação intensa do interior. No topo da fachada lateral, a sineira seiscentista, de pequenas dimensões, com ventanas de volta perfeita e cobertura em domo. O interior constitui um interessante exemplar de uma igreja maneirista, com acção mecenática régia, servindo de panteão à Infanta D. Maria. Possui as paredes em cantaria, formando apainelados almofadados de várias tonalidades de calcário, tendo arco triunfal de volta perfeita, assente em pilastras toscanas, flanqueado por retábulos colaterais de talha dourada e policroma, ambos do período barroco joanino. Apresenta coberturas diferenciadas, em aresta no cruzeiro do transepto, com os braços cobertos por abóbadas de berço, todas ornadas por elementos apainelados cruciformes, destacando-se a cobertura da capela-mor, em caixotões, também eles com almofadados recortados, numa bicromia branca e vermelha. Esta tem as paredes divididas num jogo de vários tramos e registos, com ordens arquitectónicas distintas e vazadas por nichos com estatuária. Retábulo-mor de talha dourada, de tipologia por andares, de planta recta, dois registos e três eixos, definidos por quarteirões, compostos por painéis pintados com temática mariana. Ao centro, maquineta vazada, maneirista, com estrutura em dois andares, composto por colunas coríntias, com o terço inferior ornado por grotescos, consistindo na ligação com o retro-coro, entretanto transformado em sacristia, num recurso comum na época, mas de que restam poucos vestígios, talvez o mais conseguido, o de São Vicente de Fora. A zona conventual mantém a mole do primeiro piso da fachada principal, onde se denotam vários elementos de cantaria, portais maneiristas, em arco de volta perfeita e duplas pilastras toscanas, sendo outros em arco abatido, revelando uma reforma no final de Setecentos.

O conjunto edificado constituído por Convento e Hospital e a total delegação da sua administração na Ordem de Cristo, atribui-lhe uma função renovada, na medida em que não assumindo os contornos militares de outrora, tornava-se fundamental conceber novos objectivos. Portugal continuava na sua expansão pelo mundo, nomeadamente na Índia e no Brasil, facto que levava muitos mareantes e navegadores a rumarem aqui antes de embarcarem, dada a sua grande devoção por Nossa Senhora da Luz.

Em 1755, os edifícios do Convento e Hospital sofreram graves danos. O Convento é extinto em 1795 calculando-se que, até 1807, terão aí residido religiosos que assegurariam o funcionamento do culto e da eucaristia. Com a instalação do Colégio Militar no edifício do Hospital, em 1814, passaria o restante conjunto monástico a fazer parte das suas instalações.

O culto a Nossa Senhora da Luz que nasce em Carnide, é fortemente assimilado no restante país e no resto do “mundo ultramarino português” através da Ordem de Cristo que o propaga e implementa. Este conjunto insere-se numa nova dinâmica da Ordem, ainda pouco estudada, com a reestruturação do Convento de Tomar e a construção de duas novas casas em Coimbra (Colégio de Tomar) e Lisboa (N. Sr. Da Luz). Com a destruição do Colégio de Coimbra, Nossa Senhora da Luz torna-se a segunda casa da Ordem de Cristo ainda existente, assumindo um papel primordial na história do seu património arquitectónico, urbano, histórico, monumental e etnográfico.

Autor: A. Pires

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Sociedade em Transformação

“Entre a catarse e a sublimação se enfeita Atena e se constrói uma civilização”

Atendendo às presentes convulsões do tecido politico, económico e social a que assistimos hoje, num mundo, cada vez mais global, virtual e omisso, torna-se necessário rever os modelos actuais, e num movimento de ruptura e ultrapassagem, proceder à constituição de um novo modelo de sustentabilidade.  
Este processo, como em qualquer outro de profundas mudanças, exige uma catarse, ou seja, uma verdadeira purga do nosso modo “instalado” de Ser, de ver e de representar a realidade. A constituição de um novo modelo/representação de um padrão, a ser seguido por todos os membros da uma comunidade, obriga em primeiro lugar, ao reconhecimento, de que os presentes modelos ou interpretações da realidade estão em ruptura e falência, pois a sociedade em geral, encontram-se submetida a modelos economicista.
Assistimos hoje na sociedade a uma profunda crise, a uma profunda ruptura com a nossa visão instalada da realidade. Há que pensar hoje, mais do que nunca, em questões tão fundamentais como “ O que é o Estado”, “ O que é, e representa o povo?”, “ Queremos ou não um modelo que nos priva dos direitos fundamentais? “Diante de um estado-nação que perdeu a sua autonomia e que se vê na dependência directa dos mercados, o que fazer?”.

Para alterar este estado de coisas, há que refletir sobre o estado da nação. A sociedade precisa de construir uma nova visão de “mundo”. Para tal, necessitamos de um profundo processo de “catarse”, entendido como uma verdadeira purga daquilo que constitui o nosso modo de pensar e de agir em sociedade. Contudo, qualquer processo neste sentido, tem que decorrer paralelamente ao lado de um outro processo igualmente importante: o processo de sublimação. É através de um processo de sublimação, que será possível á sociedade civil, converter aquilo que de mais profundamente negativo existe como (medo, indiferença, ignorância, o absentismo politico, o individualismo) em algo positivo, isto é, verdadeiramente “fazer politica”, ou seja, trabalhar em prol do interesse público e do bem comum, acima de interesses pessoais. Este trabalho obriga a rever todos os papeis tradicionais: Do Estado, das Empresas, dos Bancos, das Instituições, em suma o papel dos cidadãos, e sobretudo rever o exercício da verdadeira cidadania.

Só através dos processos de catarse e de sublimação é que poderemos construir uma nova “Atena”. Esta nova Atena, entendida verdadeiramente, como a possibilidade de uma nova “pólis”. Atena enquanto, mito explicativo, ou seja, uma construção humana, que pretendeu explicar e interpretar a realidade social enquanto tal. Como mito fundador, Atena permitiu aos gregos afirmar o processo de autonomia e de afirmação da identidade. Precisamos de reconstruir a nossa história, ou seja construir essa nova “Atena”.

Autor: O. Florência

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Aqueduto das Águas Livres é Eterno

A intenção da construção do Aqueduto começa a ter forma com a ideia de levar a água das nascentes das Águas Livres, em Belas, para a cidade de Lisboa, nos reinados de D. Manuel, D. João III e D. Sebastião.  
Em 1571, Francisco de Holanda, para garantir o abastecimento de água à capital, propôs ao rei D. Sebastião a reconstrução de um aqueduto e da antiga barragem romana de Olíssipo. - (mais tarde voltaremos a Olíssipo e ao seu simbolismo) -. Só no reinado de D. João V, em pleno Séc. XVIII foi decidido avançar com a construção, tendo os custos sido integralmente suportados pela população de Lisboa, através de taxas sobre a carne, o azeite e o vinho.  
A Directora do Museu da Água, Margarida Ruas, descreve: «O Aqueduto representa o que de melhor e pior existe em nós enquanto povo, enquanto comunidade. As pessoas de Lisboa colectaram-se durante anos para pagar estas obras. Entregavam uma quantia todos os anos, um imposto, que era destinada exclusivamente às obras, mesmo sabendo que só na geração dos filhos ou dos netos é que ela estaria pronta. Foi de uma generosidade e entrega notáveis. Ao mesmo tempo, representa o pior devido às confusões que se geraram, à forma como muitas pessoas foram afastadas do projecto para dar lugar a outras, às invejas».  
Uma colecta que foi paga duas vezes, devido à falta de escrúpulos da Corte durante a ocupação espanhola e da dinastia filipina: o dinheiro que havia sido conseguido para o aqueduto foi totalmente gasto na festa de coroação de D. Filipe! «E, mais uma vez, o povo de Lisboa voltou a pagar esse imposto, num gesto grandioso de cidadania e generosidade», realça Margarida Ruas.  
O projecto e a construção do aqueduto devem-se essencialmente ao brigadeiro Manuel da Maia, ao sargento-mor Custódio Vieira, ao capitão de engenharia Carlos Mardel e ao procurador da cidade, Cláudio Gorgel do Amaral, pela sua determinação em resolver o problema do abastecimento de água à cidade de Lisboa. O rei D. João V, saturnino por devoção, assinou em 12 de Maio de 1731, um sábado, o decreto régio para a construção do Real Aqueduto das Agoas Livres. O tempo passou, e as obras, lá foram iniciadas sob a direcção do arquitecto Manuel da Maia e do sargento-mor Custódio de Vieira.  
Apesar de ter começado a abastecer de água uma rede de chafarizes na cidade de Lisboa a partir de 1748, só ficou concluído em 1834.

Vamos iniciar a nossa visita, percorrendo alguns dos locais mais simbólicos e belos desta monumental obra. Evidenciando influências góticas em pleno período barroco, nos 14km de extensão desde a nascente principal e diversos aquedutos de distribuição, num total de 58km, possui, na sua parte mais monumental, sobre o Vale de Alcântara, um conjunto de 35 arcos, de autoria de Custódio Vieira.  Os primeiros 18 arcos e os 3 últimos são de volta inteiros, os restantes 14 arcos são em ogiva. O arco maior mede 65m de altura e 32m de largura. Com todos estes números tem alguns recordes mundiais: “É a maior ponte de pedra do Mundo, é a maior obra de engenharia hidráulica do Mundo e tem o maior arco em ogiva do Mundo”. Na sua galeria interior tem dois corredores, com o nome de Passeio dos Arcos, pelos quais se pode caminhar e disfrutar de uma vista panorâmica magnífica.

Porém, também teve o seu registo mais terrível. Os passeios foram interditados em 1844 devido aos crimes ali cometidos por Diogo Alves, um espanhol, nascido no bispado de Lugo, que veio viver para Lisboa ainda novo. O frio assassino acobertava-se no aqueduto e esperava que alguém passasse. Na sua maioria, eram lavadeiras ou trabalhadores de regresso a casa. Despojava-os de tudo quanto levavam e a seguir lançava-os do alto dos arcos. Algumas vezes, atirou também os filhos pequenos e bebés das lavadeiras. Foi apanhado pelas autoridades em 1840, na sequência do assassinato da família de um médico cuja casa assaltara, e, por isso, sentenciado à forca. Segundo consta, o decreto real de abolição da pena de morte foi adiado alguns dias para que Diogo Alves fosse enforcado. Só depois a pena foi abolida, sendo Portugal dos primeiros países a abolir a pena de morte.

Como não podia deixar de ser, também está ligado à gastronomia. Com certeza já devem ter ouvido o nome do bairro existente na encosta de Campolide. Esse bairro, designado Bairro da Serafina, porque a dona de taberna, chamada Serafina, era cozinheira exímia e durante os anos da construção era aí que almoçavam os Mestres, Companheiros, Aprendizes que construíram esta obra notável. O livro “As Receitas da Serafina” reúne uma boa investigação realizada por Margarida Pereira-Mueller.

Seguindo o caminho das águas, chegamos ao Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, construído entre 1746 e 1834, segundo planos de Carlos Mardel, a quem se deve, entre outras obras, o arco triunfal que celebra a obra de D. João V.
A Mãe de Água é um local tranquilo, de uma beleza despojada de qualquer artifício: o corredor estreito e baixo leva-nos a uma sala redonda com a nascente encanada no meio, como se fosse um pequeno lago. A água, tranquila à superfície, vai correndo célere para um dos ramais existentes na entrada. Esse é o único barulho que se ouve, o da água a correr pelas levadas dentro das galerias silenciosas.
Sem luz artificial, a claridade é obtida através de pequenas janelas colocadas na abóbada do tecto, que ao longo do dia vai permitindo ver o local com diferentes tonalidades de cor. O mesmo acontece na galeria da entrada. Olhando para o fundo, a luz que entra pelos respiradouros permite observar tudo com diferentes cores. Ao fundo, parece azul, mas mais ao perto a galeria é inundada por um laranja-pálido. Estes respiradouros oferecem um autêntico espectáculo natural de luz, ar, sombra, respiração e silêncio, aliado à beleza da pedra.

Em seguida, eis-nos chegados a um dos ex-líbris desta teia monumental de galerias: a Torre das Catorze Janelas. De fora, é apenas uma construção de pedra ao nível do chão. Mas por dentro, depois de descer umas escadas íngremes, vemos uma sala rectangular aonde vêm dar três nascentes de água. Para os mais esotéricos, esta torre é mítica. “Uns dizem que esta torre muito alta é encimada por catorze janelas exactamente iguais e que esconde a energia necessária para reerguer Portugal, para o transformar para o futuro. Outros dizem que está aqui a energia para a concretização do Quinto Império».

O Aqueduto foi o único monumento que não sofreu danos durante o Terramoto de 1755. Resistiu, e dominante numa Lisboa destruída tornou-se o símbolo do futuro dos Portugueses, porque a nova cidade seria construída com o mesmo conhecimento e saber.
Classificado como Monumento Nacional, é um dos mais extensos sistemas de abastecimento de água existentes no mundo, alcançando os 58 quilómetros, em descida gravítica com média 3mm por cada metro. O seu nome deve-se ao facto de as águas correrem apenas pela força da gravidade, isto é, livremente.
Actualmente faz parte do Museu da Água, criado em 1987, que organiza visitas e passeios em datas e horas que variam consoante as estações.

O Aqueduto das Águas Livres guarda um conhecimento, um saber únicos, uma obra hidráulica notável, uma beleza inigualável, o trabalho de inúmeros pedreiros que desbastaram as pedras para lhe dar forma, o único monumento câmara escura jamais construído, que permite o reflexo da paisagem exterior num jogo de cor, luz, sombra, aromas que toca o sagrado e que jamais nos separa do Todo. Um sistema de distribuição de água duplo, que os Portugueses deixam à Humanidade.

Autor: A. Pires

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A um deus desconhecido


Se nos tivesses dito.
Que a espuma que o mar traz, é igual ao silêncio mágico do Sol,
quando canta com pássaros,
e a Lua guia os nossos barcos por entre as luzes suspensas no céu.

Se nos tivesses dito.
O quanto livres podem ser os pensamentos quando sonhados.
Acordando-te.
Tu que desconheces as incertezas.
Dos caminhos que não conseguimos percorrer.
Desconheces a esperança escondida nas palavras amargas,
com que fustigamos as pedras dos altares
em nossas desesperadas preces.

 Adoçamos a escuridão com o fogo crepitante na noite amada.
Com aromas de verbena e madressilva.
E quando acendemos a candeia sobre a mesa dos nossos nadas.
O rosto das crianças têm o chilrear das andorinhas.
O claro som das fontes.
Porque não sabem.
Não sabem que o linho,
fere os dedos e o peito antes de alvo e fino.

Se nos tivesses dito.
O que não disseste!

 A Dourada medida da nossa mão.
Quando ela se ergue entre os labirintos da memória.
 Avivando o que não sabemos lembrar.

A mesma que plantou uma Rosa feita de vento, nas encruzilhadas do tempo.
Onde navegamos confiantes á procura de nós.
Num rasgo de qualquer coisa por dentro da alma.

Se nos tivesses dito!
Que és feito do sopro da nossa voz.
Dos contornos da nossa carne.
Da inflamada paixão dos nossos corpos quando amamos.

Ainda assim.
Queremos acreditar,
Na impossível surdez dos teus ouvidos,
Na improvável loucura da tua existência.

Autor: O. Florência