quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Agostinho da Silva – O pensador do século XX

Agostinho da Silva, que nasceu no Porto e defendeu a Lusofonia, se estivesse vivo, celebraria 106 anos. Dono de um percurso académico notável concluiu a licenciatura na Faculdade de Letras do Porto. Como bolseiro estudou na Sorbonne, Paris. Escreveu para a revista Seara Nova, colaboração que manteve até 1938. Em 1935, é demitido do ensino oficial por se recusar a assinar a Lei Cabral, que obrigava todos os funcionários públicos a declararem por escrito que não participavam em organizações secretas, e como tal consideradas subversivas. No seguimento da sua oposição ao Estado Novo de Salazar, é preso pela polícia política em 1943. Abandona o país, no ano seguinte, em direcção à América do Sul, passando pelo Uruguai, Argentina, fixando-se no Brasil. Após a morte de Salazar, regressa a Portugal em 1969, e desde então continua a escrever e a leccionar em diversas universidades portuguesas.

Agostinho da Silva é dos mais paradoxais pensadores portugueses do século XX. O tema mais candente da sua obra foi a cultura de língua portuguesa, num fraternal abraço ao Brasil e aos países lusófonos. Todavia, a questão das filosofias nacionais não é para si decisiva, parecendo-lhe antes uma questão académica. 
O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: “o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo”, entendendo por «povo português» não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor.

Embarcando num sonho universal em que os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser, apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo. Em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças, afirma querer: “Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império”, o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos Templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo. Um império sem clássicos imperadores, que leve aos povos do mundo uma filosofia capaz de abranger a liberdade.

É esta uma filosofia que, como gostava de dizer, não parte imediatamente de uma reflexão sobre as ciências exactas, como em Descartes, mas da fé, como em Espinosa. Partir de crenças como ponto vital e tomar como símbolo preferido que a palavra «crer» parece ter a mesma origem que a palavra «coração», fazendo depois como o Infante, abrindo-se à ciência dos seus pilotos, astrónomos e matemáticos. Tudo dito e defendido com a tranquilidade de quem sabe que até hoje ninguém desvendou os mistérios do mundo e conhece por isso os limites das soluções positivas. Assim, seria possível valorizar aquilo que a seu ver nos distinguiria como povo e como cultura. Império do futuro precavido e purgado dos males que arruinaram os quatro anteriores, sem manias de mando, ambições de ter e de poder, sem trabalho obrigatório, sem prisões e sem classes sociais, sem crises ideológicas e metafísicas. Esse já não era o império europeu, dessa Europa ávida de saber e de poder, e por isso esgotada como modelo para os outros 80% da humanidade, menos ávida de poder e mais preocupada com o ser. 
Trazer por isso o mundo à Europa, como outrora levámos a Europa ao mundo, tal a missão da cultura de língua portuguesa, construindo o seu domínio com uma base espiritual e sem base em terra, porque a propriedade escraviza e só não ter nos torna livres.

Tal como deixou escrito em “Diário de Alcestes”: "Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos, não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno."

Autor: A. Pires
Bibliografia - António Quadros, Introdução à Filosofia da História, Lisboa, 1982.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Forte de Elvas saqueado

Em anteriores artigos, falamos de monumentos e património, que conservado mantém-se como legado para as gerações futuras, proporcionando excelentes condições para a visita, hoje, infelizmente, vamos falar de património que está ao abandono e a saque, falamos do Forte de Elvas.
O Forte da Graça foi mandado construir por D. José I, no monte onde se encontrava a antiga capela de Nossa Senhora da Graça. O monte da Graça é um dos pontos mais altos da região, constituindo portanto um local de grande importância estratégica. Durante o cerco de Elvas, no contexto da Guerra da Restauração, o exército espanhol tomou o local e nele instalou uma posição de artilharia, a partir da qual atacou severamente a cidade. A situação repetiu-se durante a Guerra dos Sete Anos, quando Elvas foi novamente sitiada. Finalmente, em 1763, D. José I determinou a construção de uma fortaleza que permitisse completar o circuito defensivo da cidade. Do seu planeamento foi encarregado o Conde de Lippe, que viera de Inglaterra no ano anterior, para dirigir a defesa do reino.
A ermida de Santa Maria da Graça foi destruída, tendo a imagem da Virgem transitado para a capela do forte, donde veio a desaparecer mais tarde com as invasões francesas. A obra foi muito exigente para a região, tendo nela trabalhado 3 a 4 mil homens, entre 1763 e 1792. O forte ficou de imediato conhecido como Forte de Lippe, e mais tarde, por ordem de D. Maria I, por Forte de Nossa Senhora da Graça. A edificação resistiu ao ataque das tropas espanholas durante a Guerra das Laranjas, e ao bombardeamento infligido pelas tropas francesas no contexto da Guerra Peninsular. O forte é uma obra-prima da arquitectura militar europeia do século XVIII, tanto pela originalidade das soluções aí apresentadas, como pela sua monumentalidade.

O reduto propriamente dito é uma torre de planta octogonal, com pisos abobadados, constando de capela no piso térreo e Casa do Governador nos pisos nobres. Por baixo da capela existe uma notável cisterna. O reduto é defendido por três ordens de baterias com canhoneiras.
Mais tarde, também teve fama quando foi transformado em prisão militar. Uma vez que o forte não tinha fornecimento de água, era necessário um suprimento constante do precioso líquido, os voluntários, depois de abastecidos na fonte do marechal, com os barris às costas e sob o calor alentejano, cantavam alegremente:
“Maldito Forte da Graça / escola de deserdados / cemitério de homens vivos / debaixo do chão enterrados”

Sem segurança, o Forte da Graça tem sido alvo de uma vaga de furtos: ladrões levam blocos de granito, varandas e até telhas. A UNESCO já tinha sinalizado o «risco de vandalismo». A Câmara e o Governo tardam em aprovar o plano para proteger este Património Mundial, declarado em Junho do ano passado.
A Câmara, que conduziu o processo de candidatura à UNESCO, diz: ter conhecimento da situação mas alega que nada pode fazer para travar esta onda de pilhagem porque o complexo é propriedade do Ministério da Defesa. Que o Governo não tem feito nada para alterar o estado de «abandono» em que o Forte se encontra desde 2006, quando o Exército retirou o contingente de militares que vigiavam esta unidade 24 horas por dia.
Depois da candidatura, foi feita uma proposta ao Ministério da Defesa e das Finanças, recorda o autarca, que estimava o investimento necessário para restaurar e «tornar visitável» a fortaleza.
Até hoje, não houve qualquer resposta, lamenta o edil, que diz temer as consequências deste impasse: A responsabilidade é muito grande. Daqui por um ano, com a visita dos peritos, a UNESCO pode retirar a candidatura. Aliás, durante o processo de avaliação, a UNESCO alertou o Governo para a delicada situação daquele monumento: «Está isolado, inutilizado e vulnerável a vandalismo», lê-se na decisão final do Comité.

O Exército tem conhecimento do que se está a passar, mas diz estar de ‘mãos atadas’. O Quartel de Elvas, que geria o Forte, foi extinto e nessa altura os militares foram transferidos, o que significa que deixaram de ter necessidade de manter um efectivo permanente na fortaleza, acrescentando que o edifício foi entregue aos ministérios da Defesa e das Finanças. Questionado, o Ministério da Defesa não esclareceu o que pretende fazer com este edifício que, desde 2008, faz parte de uma lista de prédios militares entregues ao Governo para venda.

Não é uma decisão unilateral. Todas estas entidades, sobretudo a Câmara, que gere o bem classificado, e a Defesa, dona do Forte, têm de se entender sobre um modelo de gestão e financiamento favorável para todos, que, por ser património classificado e da esfera pública, esta fortaleza não pode ser vendida.

É conhecida como «obra-prima da arquitectura militar», mas está a desaparecer aos poucos. O Forte da Graça, em Elvas, tem sido alvo nos últimos meses de uma vaga de furtos e vandalismo e enquanto o destino não é traçado, a ruína e destruição alastram no monumento. Até quando! O género humano tem destas coisas, ganância, ignorância, jogos de poder, que todos os dias condenam edifícios inocentes a uma morte lenta e com eles sucumbe a nossa história, património e identidade... PORQUÊ?

O património cultural português agradece e justifica uma acção em memória do passado e da história de Portugal. 

 
Autor: A. Pires

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Quinta da Regaleira - a viagem iniciática no jardim simbólico

Tomando rumo para o ponto mais ocidental da Europa, avista-se a Serra, o imponente palácio da Pena, como a dar as boas vindas aos visitantes. Mais próximo do centro, vemos o palácio da Vila com as suas características únicas. Destacando-se nesta paisagem, o castelo dos Mouros lá do alto observa o movimento na vila. Seguindo a nossa viagem pelo elegante percurso que ligava o Paço Real a Seteais, nos limites do centro histórico da Vila, encontramos os muros e o Palácio da Quinta da Regaleira.
Esta quinta existe desde o Séc. XVII, no entanto, para o relato da sua história não se tornar fastidioso, só vamos referir a mais recente. Construída entre 1904 e 1910, no derradeiro período da monarquia, os domínios românticos outrora pertencentes à Viscondessa da Regaleira, foram adquiridos e ampliados pelo Dr. António Augusto Carvalho Monteiro, para fundar o seu lugar de eleição. Detentor de uma fortuna fabulosa, que lhe valeu a alcunha de “Monteiro dos Milhões”, associou ao seu singular projecto de arquitectura e paisagem, o génio criativo do arquitecto e cenógrafo italiano Luigi Manini, bem como a mestria dos escultores, canteiros que com este haviam trabalhado no Palácio Hotel do Buçaco.

Homem de espírito científico, vastíssima cultura e rara sensibilidade, bibliófilo notável, coleccionador criterioso e grande filantropo, deixou impresso neste livro de pedra a memória espiritual da humanidade, cujas raízes mergulham na Tradição Mítica Lusa e Universal. A arquitectura e a arte do palácio, capela e demais construções foram cenicamente concebidas no contexto de “Jardim de Éden”, salientando-se a predominância dos estilos neo-manuelino e renascentista. A Quinta da Regaleira beneficia do micro-clima da serra, que muito contribui para os luxuriantes jardins, para os nevoeiros constantes e para a sua aura de mistério.
Vamos visitar os principais pontos de interesse. 
 
O bosque que ocupa a maioria do espaço da Quinta, não está disposto ao acaso. Começando mais ordenado e cuidado na parte mais baixa, é progressivamente mais selvagem até ao topo. Tem diversas espécies de árvores e todas com vários simbolismos. Os lagos, correntes de água as nascentes, estão presentes como símbolo da Vida. Esta disposição reflecte a crença no naturalismo.

O Patamar dos Deuses, alameda que liga a Lógia ao palácio, é marcado por 9 estátuas de divindades greco-romanas, sendo a mitologia clássica uma das inspirações para os jardins da Regaleira. De seguida, surge a Gruta do Oriente que dá entrada para os subterrâneos e com ligação ao portal inferior do poço. Socalcos acima, protegido por vegetação na entrada, está o Poço Iniciático, que se afunda cerca de 27m no interior da terra. Com acesso através de uma monumental escadaria em espiral, sustentada por colunas esculpidas, desce-se ao fundo. No fundo do poço está embutida em mármore, uma rosa dos ventos, uma estrela de oito pontas e uma cruz templária. 
A simbologia do local está relacionada com a crença que a terra é o útero materno de onde provém a vida, mas também a sepultura para onde voltará, e configura-se como um espaço de sagração, de conotações herméticas e alquímicas, onde se intensifica a relação entre a Terra e o Céu. 
O poço está ligado por várias galerias a túneis ou a outros pontos da quinta: à Entrada dos Guardiães, ao Lago da Cascata e ao Poço Imperfeito. Estes túneis, outrora habitados por morcegos afastados pelos muitos turistas que visitam o local, estão cobertos com pedra importada da orla marítima da região de Peniche, pedra que dá a sugestão de um mundo submerso. 

Encontrado o caminho da virtude, vamos dar ao Portal dos Guardiões, uma estrutura cénica rematada por dois torreões laterais e por um mirante central, sob o qual se dissimula uma entrada para o poço iniciático. Em frente situa-se o Terraço dos Mundos Celestes e a Torre do Zigurate. 
Prosseguindo, vamos ter à Torre da Regaleira que foi construída para dar a quem a sobe, a ilusão de se encontrar no eixo do mundo. Por baixo encontramos a Gruta da Leda. 

Depois, num labirinto de bosque e veredas, deparamo-nos com uma magnífica fachada, que aposta no revivalismo gótico e manuelino - a Capela da Santíssima Trindade. Aqui, estão representados várias alegorias cristãs em painéis de mosaico e vitrais. No chão estão representados a Esfera Armilar e a Cruz da Ordem de Cristo, rodeadas de estrelas de cinco pontas. Ainda, tem a particularidade de existir no piso inferior uma cripta despida de ornamentação, com o simbolismo de ter 3 janelas e o pavimento em mosaicos pretos e brancos.

Por subterrâneo ou por veredas vamos ter ao Palácio da Regaleira, a principal construção da Quinta. O edifício é marcado pela presença de uma torre octogonal, de uma arquitectura neo-manuelino e renascentista e exuberante arte decorativa.

Concretiza-se com estes cenários a representação de uma viagem iniciática, por um jardim simbólico, onde podemos sentir a Harmonia das Esferas. Nele se vislumbram referências à mitologia, ao Olimpo, a Virgílio, a Dante, a Camões, à missão templária da Ordem de Cristo, a grandes místicos, aos enigmas da Arte Real, à Magna Obra Alquímica. Nesta sinfonia de pedra revela-se a dimensão poética e profética de uma Mansão Filosofal Lusa. Aqui se fundem o Céu e a Terra numa realidade sensível, a mesma que presidiu à teoria do Belo, da Arquitectura e da Música. 

A Quinta da Regaleira constitui um dos mais surpreendentes e enigmáticos monumentos da Paisagem Cultural de Sintra.

Autor: A. Pires

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Um dia vou olhar para as tuas mãos



Um dia vou olhar para as tuas mãos,
e sentir como sou feita delas.

Saberei que cada linha nelas traçada,
é um jardim onde nunca julguei estar.

Saberei que existo,
porque passei nelas,
sempre serena...
sempre tão serena.

Um dia...
olharei para esse silêncio e ficarei longe,
longe do Caminho que me trouxe até elas.
E direi!

Que não sei de volta o Caminho de Casa...

Mas, os teus olhos profundos irão revelar
os motivos que me trouxeram, desta forma forte e assustada,
simplesmente por saber do dia em que deva migrar com as aves
e não seja capaz!

Um dia.
Vou olhar para as tuas mãos,
e sentir que sempre estive ali ! Inteira! Verdadeiramente viva.
Onde me julgava não ser possível existir.
Vou olhar para elas, e
todos os silêncios vão ter respostas

As palavras não serão escolhidas,
nem os gestos prováveis.

Vou ser capaz de virar os ventos,
e não terei de partir!

Autor: O. Florência