Agostinho da Silva, que nasceu no Porto e defendeu a Lusofonia, se estivesse vivo, celebraria 106 anos. Dono de um percurso académico notável concluiu a licenciatura na Faculdade de Letras do Porto. Como bolseiro estudou na Sorbonne, Paris. Escreveu para a revista Seara Nova, colaboração que manteve até 1938. Em 1935, é demitido do ensino oficial por se recusar a assinar a Lei Cabral, que obrigava todos os funcionários públicos a declararem por escrito que não participavam em organizações secretas, e como tal consideradas subversivas. No seguimento da sua oposição ao Estado Novo de Salazar, é preso pela polícia política em 1943. Abandona o país, no ano seguinte, em direcção à América do Sul, passando pelo Uruguai, Argentina, fixando-se no Brasil. Após a morte de Salazar, regressa a Portugal em 1969, e desde então continua a escrever e a leccionar em diversas universidades portuguesas.
Agostinho da Silva é dos mais paradoxais pensadores portugueses do século XX. O tema mais candente da sua obra foi a cultura de língua portuguesa, num fraternal abraço ao Brasil e aos países lusófonos. Todavia, a questão das filosofias nacionais não é para si decisiva, parecendo-lhe antes uma questão académica.
O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: “o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo”, entendendo por «povo português» não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor.
Embarcando num sonho universal em que os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser, apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo. Em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças, afirma querer: “Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império”, o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos Templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo. Um império sem clássicos imperadores, que leve aos povos do mundo uma filosofia capaz de abranger a liberdade.
É esta uma filosofia que, como gostava de dizer, não parte imediatamente de uma reflexão sobre as ciências exactas, como em Descartes, mas da fé, como em Espinosa. Partir de crenças como ponto vital e tomar como símbolo preferido que a palavra «crer» parece ter a mesma origem que a palavra «coração», fazendo depois como o Infante, abrindo-se à ciência dos seus pilotos, astrónomos e matemáticos. Tudo dito e defendido com a tranquilidade de quem sabe que até hoje ninguém desvendou os mistérios do mundo e conhece por isso os limites das soluções positivas. Assim, seria possível valorizar aquilo que a seu ver nos distinguiria como povo e como cultura. Império do futuro precavido e purgado dos males que arruinaram os quatro anteriores, sem manias de mando, ambições de ter e de poder, sem trabalho obrigatório, sem prisões e sem classes sociais, sem crises ideológicas e metafísicas. Esse já não era o império europeu, dessa Europa ávida de saber e de poder, e por isso esgotada como modelo para os outros 80% da humanidade, menos ávida de poder e mais preocupada com o ser.
Embarcando num sonho universal em que os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser, apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo. Em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças, afirma querer: “Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império”, o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos Templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo. Um império sem clássicos imperadores, que leve aos povos do mundo uma filosofia capaz de abranger a liberdade.
É esta uma filosofia que, como gostava de dizer, não parte imediatamente de uma reflexão sobre as ciências exactas, como em Descartes, mas da fé, como em Espinosa. Partir de crenças como ponto vital e tomar como símbolo preferido que a palavra «crer» parece ter a mesma origem que a palavra «coração», fazendo depois como o Infante, abrindo-se à ciência dos seus pilotos, astrónomos e matemáticos. Tudo dito e defendido com a tranquilidade de quem sabe que até hoje ninguém desvendou os mistérios do mundo e conhece por isso os limites das soluções positivas. Assim, seria possível valorizar aquilo que a seu ver nos distinguiria como povo e como cultura. Império do futuro precavido e purgado dos males que arruinaram os quatro anteriores, sem manias de mando, ambições de ter e de poder, sem trabalho obrigatório, sem prisões e sem classes sociais, sem crises ideológicas e metafísicas. Esse já não era o império europeu, dessa Europa ávida de saber e de poder, e por isso esgotada como modelo para os outros 80% da humanidade, menos ávida de poder e mais preocupada com o ser.
Trazer por isso o mundo à Europa, como outrora levámos a Europa ao mundo, tal a missão da cultura de língua portuguesa, construindo o seu domínio com uma base espiritual e sem base em terra, porque a propriedade escraviza e só não ter nos torna livres.
Tal como deixou escrito em “Diário de Alcestes”: "Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos, não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno."
Autor: A. Pires
Bibliografia - António Quadros, Introdução à Filosofia da História, Lisboa, 1982.
Tal como deixou escrito em “Diário de Alcestes”: "Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos, não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno."
Autor: A. Pires
Bibliografia - António Quadros, Introdução à Filosofia da História, Lisboa, 1982.