Gil Vicente é o poeta que melhor e mais fielmente cantou o mito e a tradição da alma portuguesa. E nesta envolvente criação de um destino místico do povo luso, a Serra do Sol e da Lua volta a representar um papel preponderante. Na Farsa da Lusitânia, representada a D. João III, por altura do nascimento do príncipe D. Manuel, em 1532, surge um Licenciado que se declara embaixador do autor, e que relata a iniciação que este sofreu por uma donzela que o levou "onde a Sibila mora", a qual lhe ensinou a origem de Portugal:
"Naquela cova Sibiliária, muito sábio e prudentíssimo Senhor, o autor foi ensinado que há três mil anos que uma generosa ninfa chamada Lisibeia, filha de uma rainha da Berbéria, e de um Príncipe marinho que a esta Lisibeia os fados deram por morada naquelas medonhas barrocas que estão da parte do Sol, ao pé da serra de Sintra, que naquele tempo se chamava Solércia. E como por vezes o Sol passasse polo opósito da lustrante Lisibeia, e a visse nua, sem nenhuma cobertura, tão perfeita em suas corporais proporções, como fermosa em todolos lugares de sua gentileza, houve dela uma filha tão ornada de sua luz, que lhe puseram nome Lusitânia, que foi diesa e senhora desta província. Neste mesmo tempo, havia na Grécia um famoso cavaleiro e mui namordo em extremo, e grandíssimo caçador, que se chamava Portugal, o qual, estando em Hungria, ouviu dizer das diversas e famosas caças da serra Solércia, e veio-a-buscar. E como este Porugal, todo fundado em amores, visse a fermosura sobrenatural de Lusitânia, filha do Sol, improviso se achou perdido por ela."
Eis a combinação dos Elementos a formularem a origem de um povo, simultaneamente aquático, telúrico e ígneo. Hão-de ser sempre os Elementos a regerem a razão dos homens, a sua própria existência.
Autor: João Rodil, livro "Serra, Luas e Literatura", Edições da Palavra