quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Homem e a Pedra

Do Monte da Lua ao Cabo da Roca
A ligação do homem com a pedra é tão antiga como a sua própria existência, foi no âmbito do sagrado que o homem teve o seu primeiro contacto com a pedra, pois a mesma deu-lhe acima de tudo e antes de tudo, a possibilidade de se ligar ao divino e também de perpetuar na história da humanidade, de "deixar escrito na pedra" os seus sonhos e medos, as suas vivências divinas e infernais, os seus actos de coragem, as suas conquistas e derrotas. 
Nascidas das profundezas da terra numa conjunção dos elementos primordiais, terra, ar, água e fogo, são a perfeita harmonia entre as leis terrenas e cósmicas. Símbolo da eternidade, que pela sua natureza ultrapassa, transcende, vai além do tempo humano. 
As pedras são assim verdadeiros lugares de memória, pontes talhadas entre o céu e a terra, e que se nos libertarmos dos atilhos racionalizantes, esses lugares quase que nos transportam do profano para o sagrado no mais íntimo de nós. 
Os aglomerados naturais de pedras, outros construídos pela mão do homem, determinaram o seu uso como locais de culto ao sol e à lua e a outras divindades tão antigas das quais nem sabemos o nome, como mencionou Estrabão, historiador, geógrafo e filosofo grego, que estes povos "ofereciam sacrifícios a um deus sem nome e dançavam toda a noite nas fases da lua cheia".

A Serra de Sintra pela sua forma de "ventre materno" e simultaneamente serpentino, deu lugar ao culto da deusa pré-histórica lunar, ligada ao ciclos da fecundidade, assim como a cultos ofiliátricos de morte e renascimento, não é ao acaso que este promontório fosse designado por Evieno de Cabo de Ofiúsa. 
Do Monte da Lua (Sintra) ao Cabo da Roca, desde os tempos pré-históricos à dominação romana existem vestígios de cultos astrolátricos, Sol e Lua, assim como também a divindades saturnianas mais específicamente no Cabo da Roca. A sua importância geográfica não deixou de suscitar interesse pelos marinheiros fenícios que por ali passaram, e que assim (re)sacralizaram aquele local, havendo largas hipóteses de ali terem erigido um templo a Ishtar-Astarte complemento feminino de Baal/Saturno, protectora dos marinheiros e viajantes, venerada em templos situados em montes e falésias, e o deus Baal, título que significa "Senhor", e que simbolizava o princípio masculino da luz, do fogo, da fertilidade e da renovação, muitas vezes representado por um touro que lhe era sacrificado, o que não deixa de ser interessante. Ainda não inteiramente comprovado arqueologicamente, embora haja fortes indícios que está relacionado com o Cronos/Saturno, por certo nas imediações do Santuário da Peninha tenha existido outrora um local de culto a Baal/Saturno, e que cuja memória se encontra reduzida a uma humilde e abandonada Ermida – Ermida de S. Saturnino. 
Tais santuários parecem emergir da terra como olhares apontados ao infinito, perfeitos centros de ligação da terra ao cosmos.

Fazer estes caminhos é ir ao encontro dos momentos primordiais que o homem teve com o divino como centro das suas vidas e vivências. O ceú na sua transcendência e eternidade, o Sol que se erguia no horizonte simbolizando a soberania, a luz e a vida, marcando o tempo com os Equinócios e Solstícios. A luz que se extinguia para dar lugar á noite, onde surgia a Lua como possibilidade de renascimento mediante as suas fases, a vegetação circundante, fecunda e abundante. Tudo isto lhes revelava o mistério da Vida e da Criação. 
Nesses locais estão os "caminhos" idealizados de outrora que á distância da nossa mão e através do olhar podemos sentir e perceber os mitos, ritos e lendas onde as pedras intervêm. 
O homem evoluiu e a forma de trabalhar a pedra também. Mas, o homem não deixou de ser homem, nem a pedra deixou de ser pedra. A busca do sagrado continua, mesmo que implícita, a busca de ontem é talvez a mesma de hoje. De onde viemos e para onde vamos, pois não existe presente sem passado, nem futuro se não soubermos as duas coisas. Por isso, todo o homem procura o seu lugar. A sua Pedra.

Autor: O. Florência